23/04/2011

No parquinho não tem tempo, não tem ordem.

Agora, a Serena com três anos começa a contar e logo vai contar os dias até eu voltar pra casa da minha viagem. Aí, neste momento insólito sei que para ela vai começar a ilusão de que o tempo linear existe. Ilusão que até o mais sério e sóbrio dos homens dos nossos dias acredita firmemente. Ilusão em meio a tantas das quais é tão difícil se liberar.
Seria bem mais fácil se aprendêssemos a não contar as horas, e uma brincadeira apenas continuasse como no parque de diversão até que outra experiência começasse. No parquinho não tem tempo, não tem ordem, não tem fila, sobretudo. Me deixa tão triste ver a mãe de um menino de dois anos tentando convencê-lo permanecer “bonitinho” na fila atrás de outro menino e esperar “bonitinho” pela sua vez para descer no escorregador. Ou, categórica, falar pra ele do sentido certo de subir as escadas para descer pela rampa de metal. Nos olhos do menino, o sentido é aquele em que a brincadeira continua divertida e não para, a não ser quando se cansa. Até mesmo um choro não é o fim, pois pode logo se transformar em outra coisa, numa nova risada, talvez. Aí, areia nos olhos não é agressão. Assim como o mundo também não é perigoso, a não ser na cabeça do adulto. E talvez seja melhor desligar um pouco a cabeça e olhar de novo, com novos olhos, com os olhos da sua criança que deseja apenas aprender a realidade simplesmente.


Nesse mesmo parque vi outra mãe assombrando pela enésima vez seu filho pra que ele não tirasse os sapatos. A areia é gostosa no pé, mas a mãe não entende assim. Seu medo lhe impende de sentir com a pele, e para ela só existem micróbios e cacos de vidro no lugar de gargalhadas de crianças felizes. Ela diz para o seu filho, certa de que faz bem: “se entrar um caquinho ou pedrinha em seu pé, não vai sair mais! e aí eu quero ver...” talvez não perceba quanto as palavras de uma mãe podem desenhar a realidade na cabeça dos filhos, para o bem ou para o mal.

Chego do parquinho assustado. Meus filhos brincam com o pé no chão e voltam pra casa todos sujos e cheirando o suor ensolarado de uma brincadeira sadia. Caem e não se machucam, choram dois segundos e levantam e tentam de novo; disputam o mesmo brinquedo e logo se entendem do jeito deles; acham pela menos uma meia dúzia de maneiras de brincar com o mesmo brinquedão (nem me esforçando tiraria tanta satisfação de tão pouco). Eles sentem um prazer tangível com a liberdade dos seus sentidos, de testar o limite da sua musculatura, e de chorar toda a sua frustração por não conseguir e, depois de ralar várias vezes o joelho para subir uma pedra, declararem com uma satisfação pulmonar: “olha pai, olha o que eu consigo”.
Só posso agradecer por estas crianças sem hesitação. Que se jogam em meus braços com tanto vigor que estremecem em mim qualquer crença absurda de que nascemos com medo, e que para proteger é preciso assustar atrapalhando o desabrochar do que é por natureza livre.

Que mal tem em ser livre?
Pense bem antes de proibir o seu filho de brincar (do jeito dele). Que mal tem em ser livre?
Antes de contar alguma história assustadora para que ele fique grudado em você, lembre-se que essa pessoa não te pertence, e para que teu filho cresça do tamanho que ele é de verdade, deve continuar confiando no ambiente em que vive. Apesar dos teus medos, ele tem direito de experimentar e tirar suas próprias conclusões. Não é se privando da vida que se evita a morte. Se você não quer que as roupas e os joelhos se gastem, e prefere assistir a vida por uma tela Led, tenha ao menos a coragem de assustar alguém do teu tamanho, e a dignidade de pedir desculpas para tentar fazer diferente.
Com um sorriso, o teu filho vai saber perdoar brincando. Ele vai até gostar.

Autor: Mario Lima

3 comentários:

D. disse...

Lindo e verdadeiro!

Simone Maurina disse...

Que texto delicioso e verdadeiro.
E a foto.......! A Serena tá linda como uma princesa, não, ela é uma princesa.

Juliana Tavares Alberti disse...

Olá!
Recebi este texto exatamente no dia em que levei meu filho a um parque com areia. Penso como você, mas me acabei reclamando quando o Pedro jogou areia na própria cabeça... Obrigada por me lembrar que as crianças sabem melhor que nós o que é bom para elas na hora da brincadeira...
Um abraço!
Juliana.
http://jeitodemae.blogspot.com