03/03/2010

Relato de parto domiciliar - Rudà 13/12/2005

Rudà

Foi em uma consulta de rotina ao medico ginecologista, que soube que todo o cansaço e fome que estava sentindo ultimamente podia ser uma gravidez.
Fiquei um pouco confusa com a novidade, pois a partir daquele momento já era uma certeza. Fui logo fazer o exame de sangue. Contei apenas para a minha irmã que já ficou bastante feliz com a possibilidade.
Me sentia sensível. Fui buscar o teste sozinha, um pouco antes de fechar o laboratório. Fui até o carro para abri-lo, hesitei alguns instantes...
Estava escrito “compatível”!? Eu voltei ao laboratório e perguntei para a moça da recepção o que queria dizer “compatível”, ela explicou que queria dizer compatível com gravidez!!! Fiquei eufórica, e já chorava com um grande sorriso no rosto, uma grande confusão no coração. Esperava ler no teste: Parabéns você vai ser mamãe!!! Seja muito feliz!
Liguei imediatamente para o Mário que já estava dormindo na nossa casa em Paris. Não consegui esperar para dar a noticia de uma forma mais bonita. Logo que ouvi a sua voz, já fui dizendo: Você vai ser papai, estou grávida, a culpa não foi minha, estou tão contente... do outro lado um silencio! Acho que ele não entendeu muito bem. Repeti varias vezes entre choros e risos que íamos ser pais! Desliguei pensando que ele iria voltar a dormir e liguei para minha irmã, que estava impaciente a espera da noticia.
Quando anunciei o resultado senti seu coração batendo de alegria. Pedi que guardasse segredo até a hora de eu chegar, pois ia encontrar com as minhas amigas antes.
Eu, a De, a Ju, a Bia, a Ana e a Gel, lá na Casa di Bel, comendo muita besteira, caldo de feijão, frango a passarinho, brigadeiro na panela, eu só no suquinho de fruta acompanhada pela Ju. Tudo normal até a hora que eu perguntei se elas sabiam ler o que dizia o teste. A tal da “compatibilidade” fez muito feliz minhas amigas aquela noite, que desde então torciam por mim e pelo meu filho. E com toda alegria já começavam a surgir varias questões sem resposta. Muita angustia! No meio de nossas fofocas, toca o telefone e ouço minha mãe soluçando do outro lado. Ela me pergunta: é verdade? Eu vou ser avo?? Por que você não me contou? Nesse meio tempo o Mário já tinha anunciado a boa nova para toda a sua família que ligou na casa dos meus pais para dar parabéns. Imagina a cara da minha mãe, recebendo os Parabéns por ser avo, antes mesmo de saber da novidade!?
Me despedi das minhas amigas e fui para casa. Meu pai estava me esperando no portão com um sorriso tão grande, que não lembro de algum dia tê-lo visto. Me abraçou forte. Já me sentia aérea, como se o mundo fosse uma fumaça de vapor em torno de mim, estava super sensível e não conseguia compreender todas as mudanças de uma só vez. Uma felicidade que embriagava a razão com sentimentos se espalhava por todo o ar. Muito carinho, muitas perguntas, muita certeza.
Fui me deitar com todo o cuidado do mundo, como alguém que carrega um cristal muito valioso nas mãos. Nesse dia demorei a dormir, pois era alguém que ganhou um presente tão maravilhoso e que não quer deixa-lo nenhum instante.
Na hora do banho me fechei em mim mesma para sentir e receber essa graça. Nosso primeiro momento de intimidade. Eu e meu filho formávamos um único ser. Sentia-me como a terra que nutre o grão para que ele brote. Era isso! Dai em diante era esse meu papel, cuidar da terra.
Muita coisa achou sua explicação depois dessa noticia. A fome insaciável, o sono constante, os desejos de comer barreado, bacalhau, os mal estares e os enjôos...
No dia seguinte voltei ao medico que me examinou, presumindo uma gravidez de oito semanas. Pediu que eu fizesse uma ecografia.
Momento mágico! O barulho de um pequeno coração que bate como as asas de um beija-flor. Foi uma breve visita que fiz ao nosso filho que crescia no meu ventre e já demonstrava toda saúde e vitalidade.
Já dizia aos outros que era o meu filho, um menino lindo! As pessoas sempre a fazer perguntas que não tinha vontade de responder, pois uma mágica, quando mostramos como ela funciona já não tem graça!
No segundo dia que nosso bebê já estava presente nas nossas vidas, o Mário me mandou um e-mail com uma lista de nomes, de meninos e de meninas, respondi qual eu tinha gostado ao mesmo tempo em que ele, a partir de então nosso filho chamava-se Rudá e todos da família já sabiam a origem e o significado do seu nome. Certeza!
Voltei para Paris com a intenção de dar a luz em Curitiba. Não sabia como funcionavam as coisas em Paris e não sabia muito bem por onde começar, ao contrario, no Brasil já tinha o médico que me acompanhava há bastante tempo e todo o conforto dos familiares. Mas ao regressar, foi conversando com uma amiga, que muito naturalmente, me perguntou se eu sabia que podia parir em casa? Certeza! Me pareceu tão lógico! Já vim dizendo ao Mário que iria dar a luz ao nosso filho em casa. Ele nunca me disse o que pensou de verdade, mas me apoiou desde o início e disse que faríamos o que fosse melhor para mim.
Foi então que a Olivia me mandou uma lista de telefones de sage-femmes (parteiras). Liguei para duas delas, e com a primeira consegui marcar consulta para o mesmo dia, mas ela já não fazia mais partos em casa, então liguei para a Françoise Bardes, que me atendeu e já pudemos conversar um pouco. Marcamos a consulta para dali alguns dias. O Mário foi comigo. Foi bem diferente de uma consulta médica, foi como uma conversa bastante intima, onde ela nos perguntava coisas que nos faziam realmente refletir sobre a nossa decisão. Quando saímos do seu consultório tínhamos de novo mais uma certeza, que seria ela que iria nos acompanhar e nos ajudar a dar a luz ao nosso filho.
A gravidez se passava tranqüilamente. Sentia um movimento enorme em meu interior. Uma ansiedade ao mesmo tempo que uma profunda paz no coração.
Comecei então a organizar a bagunça! Tinha muita coisa na casa que precisávamos arrumar, já que receberíamos nosso filho nesse lugar tão sagrado para nós. Foi uma prova, diria mesmo uma batalha entre o que eu gostaria de fazer e o que dava para fazer. Entre convencer o Mário a fazer e fazer! Nem eu acreditava que podia ser tão organizada.
Troca armário, faz a cozinha, caminha, joga fora muita coisa... A famosa máquina de lavar roupa! Nossos amigos ajudaram bastante, a bricolar, a montar e desmontar armários, a ouvir nossas descobertas!
 A reforma também teve que ser feita também “na minha casa”. Tive que fazer uma faxina nos meus sentimentos, nas minhas memórias de infância, na minha criança. Com a decisão de receber nosso filho na nossa casa, fui à luta da consciência necessária para executar esse projeto. Natação, yoga, terapia, muita leitura. Não gostava muito de falar com as pessoas a respeito da minha decisão e muitas vezes nem de ouvi-las, preferia ouvir o que me dizia meu filho e tudo que sentia dentro de mim parecia mais importante.
Senti-me mais estrangeira do que nunca. Quando contávamos do nosso projeto, os franceses perguntavam se era normal no Brasil, e no Brasil perguntavam se era normal na França. Além de ser vista mais ainda como uma estrangeira, muitas vezes considerada como irresponsável, por não prever os “riscos”. Era um sentimento paradoxal, pois sabia que em casa eu já não corria risco de episiotomia, nem de infecção hospitalar e muito menos de erro médico. Sem contar a falta de respeito que existe com os bebês no momento do nascimento. Injeções, aspirações, exames desnecessários...
Sabia que o meu parto estava se construindo a cada momento da minha gravidez e que se tudo estivesse indo bem, não tinha nenhum motivo para que não desse certo na hora h.
Aprendemos a fazer haptonomia e já com 3 meses sentíamos o bebê mexendo na minha barriga, ficávamos impressionados com a rapidez com  que ele nos respondia. Nossa intimidade foi crescendo, conversava com ele o tempo todo. Foi nessa época também que compramos um pingente de coração que carregava na altura do umbigo e que emitia um agradável som de água correndo. Sempre que saia de casa levava junto com agente esse amuleto. Cantava enquanto tomava banho.
Embora nossa vida estivesse um pouco conturbada por problemas materiais, nunca nos deixamos abater. A partir do sétimo mês de gravidez vivi momentos de mais tensão, com a reforma do atelier de pintura do Mario, que ficou quase um mês parada, nos impedindo de poder organizar a casa. Foi um momento bastante difícil para mim, pois estava muito ansiosa e queria muito ver o rostinho do meu filho, por isso me forçava a acreditar que ele viria antes do tempo previsto. Estresses desnecessários, mas inevitáveis.
Conseguimos fazer as principais arrumações antes da minha mãe chegar. A reforma do atelier ainda parada.
Com a mãe perto, não paramos, todo dia eu inventava alguma coisa para resolver. Aproveitava enormemente cada minuto com a vontade de deixar tudo pronto, pois o bebê poderia chegar a qualquer momento.
De repente me vi com “tudo pronto” e o Ruda’ continuava tranqüilo dando seus chutes na minha barriga. Os dias passaram a ser ainda mais longos. Não sei como minha mãe e o Mário me agüentavam, pois não parava de inventar moda. Eu achava que o bebê nasceria dia primeiro, então deixamos tudo em ordem para esse dia. Chá de fralda, os materiais que a sage-femme ia precisar... Passou dia primeiro sem que nada de diferente acontecesse, então disse que nasceria dia 8. Passou dia 8, passou dia 11, que era a data prevista pela ecografia e nada, nenhum sinal. Só então decidi aproveitar meus últimos momentos de grávida! Acordei com vontade de comer ostras!! Comemos ostras e passamos a tarde no atelier do Mário. Ele estava pintando um quadro comigo grávida, consegui ainda posar alguns instantes, mas estava cansada e com frio. Preferi ficar confortavelmente sentada na poltrona lendo e cochilando. Momento de muita intimidade e conforto.
Fomos dormir depois de alguma cantoria do Mario e da minha mãe.
Na manhã seguinte, acordei cedo com o despertador do Mario que preferiu ficar na cama. Eu fiquei lendo e pensando o que faria durante o dia e decidi que iria comprar uma calça mais confortável para depois que o neném nascesse. Voltei a dormir. O Mario acordou e foi ao banheiro. Acordei e senti um pequeno estouro embaixo da barriga, achei que era a bolsa, mas esperei antes de dizer alguma coisa. Esperei o Mario sair do banheiro, e antes de chegar já sentia a água escorrendo e também a primeira contração. O Mario se preparava para ir trabalhar, quando lhe disse que era para ele ligar para a sage-femme porque a bolsa tinha se rompido. Ele não acreditou muito, perguntou se tinha certeza, então mostrei a água já tendo a segunda contração.
A partir daí, as contrações foram regulares entre 5 minutos.
Acordamos a mãe para levá-la a um hotel. Sabia que a presença dela seria importante depois, mas aquele momento era meu apenas, e ela sabia disso. O Mario a acompanhou. Aproveitei para fazer uma faxina. Passei aspirador, escovei nosso tapete de lá de ovelha e fiz almoço. Nesse meio tempo a sage-femme chegou, trazendo o seu material para medir a freqüência cardíaca do bebê e saber como ele estava suportando as contrações. Eu já tinha 2 centímetros de dilatação e o coração do Rudà batia a 140 por minuto, ele se mexia bastante.
Ela foi embora e nos deixou eu, o Mario e o Rudà. Montamos a banheira e o Mario me ajudou a fazer uns alongamentos e treinamos as posições que me aliviavam um pouco a dor das contrações. Tomei alguns banhos, as contrações foram se intensificando. Às 5 horas da tarde a sage-femme ligou perguntando se ela poderia ir até a casa de outra paciente ou se eu já precisava dela. Eu já sentia muita dor, principalmente nas costas e ficar deitada era insuportável. Então pedi que ela viesse.
Quando ela chegou, utilizamos nossa ultima alternativa para diminuir a dor, que era a banheira armada no meio da sala. Fiquei ali mais ou menos 4 horas, enquanto o Mario fazia crepe de maisena para eles comerem. Eu já não comia mais nada, estava super concentrada nas contrações e conseguia repousar entre uma e outra, o que deixava o Mario um pouco preocupado, pois pensava que eu estava me entregando. Comecei a sentir muita dor e já não quis mais ficar na água. Fomos para o quarto e a Françoise confirmou que já estava com a dilatação completa. Esses momentos foram mais difíceis, pois o bebê estava demorando para descer e todo mundo estava cansado.
Já de madrugada, uma da manhã, a Françoise sugeriu que fossemos para a maternidade, pois o bebê não estava descendo. Eu fiquei furiosa, nunca pensei que pudesse sentir tanta raiva de alguém! Não queria nunca mais vê-la na minha frente, e foi então que eu levantei para tomar mais uma ducha e nesse momento senti que não agüentava mais andar, acho que o fato de ter levantado ajudou o neném a descer. Então chamei o Mario que me ajudou a sair do banheiro e me segurou de cócoras, e me motivou, pedindo que eu soprasse o nosso bebe para ele, que estava tudo bem e que dali a pouco ele estaria ali conosco, que era apenas para eu ser forte mais um pouco.  
As 2:40 da manhã, do dia 13 de dezembro de 2005, no 34, rue de Lappe 75011 em Paris, vimos pela primeira vez o maior presente da nossa vida. Nosso filho amado, que sem muito alarido, cuspiu fora a água do seus pulmões, nos olhou com seus grandes olhos negros, enquanto que o Mario o pegou e o colocou sobre o meu ventre ainda cansado, para que ele sentisse o calor e a segurança do nosso amor. Ele ainda era todo molinho, como uma gelatina. O Mario cortou o cordão, guardamos a placenta para plantá-la sob uma arvore. O Rudà já procurava a teta como um bezerrinho.
Rudà nos transformou em pais!


Luciana Lima

Um comentário:

Bianca Lanu disse...

Olha!
Nosso pequeno q tb nasceu em casa chama-se Rudá! C/ direito a árvore plantada junto a frondosa placenta em nosso quintal.
Hj iremos p/ Curitiba e teremos o prazer de conhecer vcs e suas crias!
Inté!!!