01/06/2009

Dependência, choro e responsabilidade


Moro em uma casa cujo muro de uns quinze metros fica bem ao lado de uma escola. A escolinha vai do berçário até o maternal, e algumas tardes quando faz calor e as janelas ficam abertas não tenho como não ficar impressionado com o barulho do choro das crianças. Trata-se de uma das escolas mais caras da cidade e tenho certeza que os pais se orgulham de poder dar o melhor para os seus filhos. Mas isso não impede que os bebês continuem chorando. O que me deixa o coração mais apertado são os bebês de colo, que passam a maior parte do dia aí. Da pra identificar pelo timbre e pela insistência o choro que alguns deles não têm mais do que quatro ou cinco meses.
Por mais incompreensível que isso pareça pra mim que sou pai de uma menina de um ano e de um menino de três, sei que algumas pessoas iriam argumentar: mas será que é tão terrível chorar assim? Vai chegar uma hora que o bebê vai parar de chorar, não é? E se ficarmos sempre a disposição da criança, por qualquer chorinho, ele não vai ficar muito dependente? E depois, não vai acabar sofrendo pra viver em sociedade?
Dependência. É engraçado, às vezes quando acompanho a minha esposa na apresentação dos wraps slings (panos para carregar o bebê) o comentário que ouço com freqüência é: – carregar e ficar com o bebê tão próximo assim não vai fazer com que ele fique muito dependente? Também na França, onde vivi com minha família, pude observar que a grande preocupação das mães era que os seus bebês não ficassem dependentes delas, pois assim elas poderiam voltar mais cedo a trabalhar ou ter outra atividade. Muitas justificavam não ter nem começado a amamentar para justamente não criar essa “dependência”, pois saberiam que em quatro meses após o nascimento já teriam que voltar a exercer suas profissões.
Todos esses argumentos na nossa sociedade são aceitos até com certa naturalidade e parecem justificáveis pela forma em que vivemos, sobretudo nas grandes cidades. No Brasil, vejo também essa preocupação pela independência particularmente nas mulheres da minha geração. E não é difícil de entender! Nos nossos dias, o modelo de mulher de trinta anos, bem sucedida, é aquela linda e maravilhosa que além de tudo, manda muito bem na sua profissão. Qualquer coisa que empeça essa mulher de conquistar sua autonomia e lhe fazer se sentir valorizada, vai ser visto como um obstáculo. Mesmo que essa “coisa” seja um bebê.
Vivemos em um mundo que não reconhece o choro das crianças assim como não reconhece as suas necessidades mais básicas de proximidade e de afeto. Vivemos em um mundo que separa as pessoas, cada vez mais cedo, e onde os vínculos se fragilizam pouco a pouco. Vivemos em um mundo onde a responsabilidade dos pais se dilui e já não se sabe mais quem é que deve assumir a educação dos filhos.
É preciso estar ciente que uma criança é sim inteiramente dependente, e de que são os pais os verdadeiros responsáveis pelo seu bem estar. Se uma criança chora é responsabilidade dos pais atenderem esse choro, e não de alguma forma evitar ouvi-lo. E vamos perceber que isso é muito positivo se compreendermos que a dependência da criança é uma oportunidade para lhe transmitir os valores essenciais ao seu bem estar. É nesse momento que os vínculos se formam e que os sentimentos começam a ser compreendidos. O choro é rico de ensinamento e se uma criança chora é por que ela tem necessidade. Somos nos adultos que somos capazes de pouco a pouco ajudar a criança a compreender e ou verbalizar essa necessidade. A criança com isso se sente valorizada, pois tem os seus sentimentos e necessidades colocados em um lugar de importância. É importante ficar claro que ouvir e entender uma necessidade é muita vezes mais importante que satisfazê-la.
Na verdade, ao deixar voluntariamente um bebê chorar, os pais ou o substituto maternal estão criando um homem que mais tarde poderá ter dificuldades para reconhecer o seu valor, para se ouvir e ser ouvido, e, sobretudo que não acreditará na relevância das suas necessidades. Ao deixarmos um bebê chorar simplesmente, temos grandes chances de estarmos criando um indivíduo perigoso, capaz muitas vezes das maiores violências, pois assim como ele aprendeu a não ter suas sensações e necessidades reconhecidas terá dificuldade de identificar e de reconhecer as necessidades dos seus próximos.
Essa “dependência” nos primeiros anos é necessária e fundamental e ela não dura pra sempre. O interessante é que como na lei física da ação e reação, quanto mais se dá nos primeiros meses em termos de proximidade, mais a criança reage para se liberar e por si só vai se fortalecendo e construindo por si mesma a sua independência, pois ela também já vem “programada” com uma natural necessidade de autonomia.
Mario Lima

3 comentários:

Ana Paula - Journal de Béatrice disse...

Mario, cada palavra sua me tocou profundamente. Hoje sim eu compreendo que essa "dependencia" de hoje é fundamental para a Béatrice adulta de amanhã. No começo não é facil identificar os porquês dos choros, mas hoje, passado 3 meses, vividos intensamente - muito wrap sling, dormindo junto (pausa aqui!! lembro que estranhei o tal co-dodo quando conversamos aqui em casa, so que nao teve jeito, Béa foi pra cama junto com a gente!!), amamentação, altas conversas - temos uma menininha calma, comunicativa (na medida que sua idade permite!), meiga! Parte disso se deve às nossas conversas, que SEMPRE me trouxe serias reflexões. Digo sérias por se tratar, justamente, de educar uma criança para ser um adulto mais consciente do mundo em que vive! Beijo grande!

Mariana - viciados em colo disse...

seu texto é perfeito! cheguei aqui por uma indicação de Ana Paula (mãe de Beatrice).

tive a ousadia de copiá-lo numa página do meu blog, com a devida referência - claro, pois expressa perfeitamente a necessidade de acalentar o bebê.

muita gente chega ao blog procurando soluções para bebês que gostam de colo, por isso faço questão de manter esta página de topo contendo informações para que as mães que chegam lá não sucumbam aos mitos.

caso seja um problema, por favor me avise que retiro o texto.

abraços,

Patty disse...

Adorei seu texto, pq exprime o q penso sobre dar colo e atender quase q imediatamente qdo minha filha pede, ela esta com quase 6 meses, mas eu esperei tanto por esse momento "ser mãe" q agora naum posso simplesmente tercerizar os seus cuidados, passo o dia todo com ela, e eh um dia rico e lindo q ficara para sempre em minha memoria, eh verdade q as vezes bate um stress (principalmente pra faze-la dormir a noite) mas eu me perdoo e sigo em frente... O q naum falta nessa vida, sao palpiteiros, mas o melhor eh seguir a sua propria intuição e coração... muito obrigada!!!