11/07/2011

“A vida não é só feita de festivais”

Eu me emocionei na sala de embarque ao ouvir esta frase de Geraldo Vandré ao final do festival dos festivais de 1967, quando a sua música “para não dizer que não falei das flores” ficou em segundo lugar, perdendo para a canção Sabiá de Tom e Chico. Fiquei sensível as suas palavras, talvez porque, naquele momento, no aeroporto, estivesse sentindo muita dor no lado esquerdo do meu quadril. Do fundo da minha dor, penso que entendi o que ele queria dizer com “A vida não é só feita de festivais”.

Relutei um pouco em escrever sobre isso, pois pensei: que baixo astral falar de dor! Mas finalmente me convenci que tem que ter alguma sabedoria nisso tudo. As conquistas que tenho obtido na vida são precedidas de momentos de dedicação, de concentração e de dor. Creio que várias pessoas tem a mesma experiência.  Apesar disso, passamos as nossas crianças a impressão que as conquistas se dão de forma muito fácil, sem grande dedicação e com pouco suor.  De certa forma, a gente se esquece disso rápido e não celebra, e não reconhece o esforço. E o que aparece são apenas as conquistas e um sorrisão na cara. Você, aliás, se exige aparecer  sempre sorrindo e sempre legal na foto!

Só que a dor do parto, a dor do crescimento, a dor da morte ... acompanham as histórias de todos os homens desde sempre. A dor é uma forma de grito, de expressão, e é porque a gente não fala dela que ela acaba falando mais alto.

Jacó foi aquele cara da Bíblia que saiu ferido no quadril após lutar com o anjo. Depois da briga, ele mudou de nome e passou a se chamar Israel que quer dizer “aquele que lutou com Deus” e segundo o anjo, saiu vencedor. Esta pequena história ilustra que, para todos, chega uma hora que é preciso lutar com Deus! Ou melhor, lutar contra tudo o que é mais sagrado dentro de nós. Confrontar os nossas crenças e verdades mais arraigadas e admitir que o que conseguimos admitir como real, é apenas uma foto bem pequena do imenso filme da nossa vida.

“A vida é imensa” diz o imigrante no filme “A lenda do pianista sobre o mar”. É mesmo imensa a vida, e é melhor nem tentar compreendê-la, pois ela, como uma obra de arte, só vai fazer sentido no fim. Em vez de tentar pensar a vida, creio que é mais avisado estar atento as dores, aos nossos anjos que nos anunciam novidades a nosso respeito. Lamento dizer, mas neste caso, um dorflex é a melhor forma de cortar a comunicação com o anjo.

Durante anos ouvi da minha mãe a seguinte frase: “Deus colocou o prazer tão perto da dor, que às vezes choramos de alegria”. E No pequeno e fundamental livro “O arco e a flecha” Annick de  Suzenelle relata o seguinte: 
“Em sua vocação primeira o Homem é criador do universo, o qual atualmente em situação de exílio de si mesmo, ele ignora o infinito potencial; ele ignora a realidade escondida sob uma casca aparente e aparentemente inerte do real imediato; ele nem desconfia que o campo de batalha onde é chamado a realizar a conquista de si mesmo, é também aquele onde se aplicará toda a paleta do real. Um universo louco que só o artista pressente, cujo mistério ele experimenta, mas que todo ser pode penetrar, se ele ousa o eros, se seu canto de guerra é o amor!”

Patologia, doença em grego, quer dizer ”falsa ideia”, uma percepção errada da realizada. A cura vem, portanto, da mudança desta percepção com beleza, com graça, com amor. Para isto, basta olhar para dentro com os olhos da criança, relaxar e brincar um pouco todo dia, e como um artista, se deixar apaixonar pela beleza de cada evento, e aprender a rir de cada defeito, por mais doloroso que pareça a principio.
Assim a dor passa e a gente enxerga uma nova realidade. O amor tudo cura!


Autor: Mario Lima

Recomendo também de Annick de Souzenelle os excelentes “O Simbolismo do corpo humano” e  “O Feminino do ser”.

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